A Tragédia do Suicídio

Uma morte no mundo a cada 40 segundos. Isso equivale a mais de 800 mil por ano. Você acha pouco? Ocorre que não se trata de mortes involuntárias, mas de mortes evitáveis e planejadas. Ou, para usar um termo mais impactante, suicídio. São pessoas que, por algum motivo, decidem “dormir” e não acordar mais. E cada caso deixa para trás lágrimas e pessoas devastadas. Para tornar o quadro ainda mais dramático, cada suicídio consumado representa uma pequena porcentagem das tentativas fracassadas. Por isso, pautamos o tema como matéria de capa desta edição. O objetivo é chamar a atenção para o fenômeno e ajudar na prevenção.

No Brasil, o número de suicídio entre as diferentes faixas etárias vem subindo, com destaque para jovens e idosos. Em 2013, segundo a pesquisa “Violência Letal: Crianças e Adolescentes do Brasil”, a taxa de suicídio entre jovens de 16 e 17 anos chegou a 4,1 para cada 100 mil. Porém, percentual maior ainda é visto entre idosos (8 suicídios para cada 100 mil) e os indígenas, com seu índice de 132% maior do que na população em geral.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as principais causas desse mal, que não conhece barreiras geográficas nem culturais, são distúrbios mentais, depressão, doenças crônicas, perdas, drogas, bebida alcoólica, problemas financeiros,
violência, abusos, fim de relacionamento amoroso, senso de isolamento e o “colapso da capacidade de lidar com os estresses da vida”.

O pior é que o sofrimento da perda é intensificado pelo caráter de transgressão do gesto. No passado, o suicídio era visto com olhar ultra severo. Na Idade Média, a igreja codificou sua oposição ao suicídio, e as autoridades passaram a profanar os corpos dos suicidas, na tentativa de impedir novos casos. Na França, os corpos eram arrastados pelas ruas, enquanto na Noruega eles eram sepultados com os criminosos.

Hoje, a atitude está mudando, especialmente pela mobilização em favor do suicídio assistido, um tipo de morte em que o próprio paciente terminal põe fim à vida, com a ajuda de um profissional de saúde. Alguns países já legalizaram a prática, enquanto outros estão estudando o assunto.

Naturalmente, o tema é complexo e desperta debate. A Igreja Adventista tem uma postura responsável e realista. Ela defende a santidade da vida e o uso da tecnologia médica, mas reconhece que, à luz da promessa da vida eterna, não precisamos nos agarrar desesperadamente a um fio de vida, na tentativa de prolongar artificialmente um estado vegetativo ou “o processo de morrer” por tempo indefinido (Declarações da Igreja [CPB, 2012], p. 87). Afinal, em última instância, a “primeira morte” é um sono reversível e a vitória garantida na cruz é sobre a “segunda morte”, a eterna.

Por motivos óbvios, muitos são contra o suicídio assistido. “Nossa sociedade está rapidamente se tornando confortável com a noção de morte sob demanda”, protestou a escritora Kim Kuo em uma matéria publicada na revista Christianity Today em setembro de 2015. Ela menciona que seu marido fez a opção certa pela vida e lutou dez anos contra um câncer, sem perder a fé e a esperança em Deus.

No entanto, existem nomes fortes que defendem a prática do suicídio assistido, como o teólogo suíço Hans Küng, autor de A Dignified Dying (SCM, 1995). Em 2015, devido ao Mal de Parkinson, ele chegou a considerar essa possibilidade. Os anglicanos George Carey, ex-arcebispo da Cantuária, e Desmond Tutu, arcebispo emérito da Cidade do Cabo (África do Sul) e Nobel da Paz em 1984, também passaram a advogar esse “direito”.

Em face da dura realidade, o dever da sociedade é aprimorar o sistema de assistência nas fases críticas da vida, sabendo que nove em dez casos de suicídio são evitáveis. O estudo do governo para a criação do sistema de ligação gratuita pelo número 188, por enquanto disponível apenas no Rio Grande do Sul, é o primeiro passo. As igrejas e famílias, em especial, podem fazer muito para ajudar a identificar sinais de alerta e prevenir suicídios. A atitude mais importante é ouvir com acolhimento quem tem sido assediado por pensamentos suicidas.

Para quem está sofrendo uma perda dessa natureza, uma palavra de esperança. Embora o suicídio não seja moralmente neutro, também não é um pecado imperdoável. A Bíblia registra sete casos de suicídio em contextos negativos, mas não pronuncia juízo de valor sobre o ato, um silêncio que é interpretado de maneiras opostas. Ninguém deve julgar uma vida por um ato radical em um momento de desespero ou desequilíbrio químico. O julgamento é feito por um justo Juiz, o Deus da esperança e da misericórdia.

MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista

Via: Revista Adventista

Lógica Inversa

“Você deseja ser um líder ou um seguidor?” Essa pergunta traz consigo respostas muito mais profundas do que aparenta, e deveria nos fazer refletir além das obviedades. Pelo menos é o que propõe Susan Cain em um artigo do The New York Times acerca da supervalorização dos líderes e da necessidade que o mundo tem de seguidores. Recebi esse texto de dois amigos no mesmo dia e, para minha surpresa, na mesma semana, o Estadão o publicou em seu site com o título “A glorificação da capacidade de liderança se esquece dos seguidores”.

Susan, que escreveu o bestseller O poder dos quietos (HarperCollins, 2012), tem defendido a tese de que as organizações precisam valorizar mais as pessoas com perfil introvertido, pois elas enriquecem o ambiente de trabalho com sua criatividade, persistência e moderação. No texto do jornal, ela faz uma crítica ao sistema norte-americano de ensino superior, que prestigia estudantes com o perfil de liderança em detrimento daqueles com características menos expansivas. Para a autora, a forte ênfase que se tem dado no quesito “capacidade de liderança” pode nos levar a pensar “que a sociedade ideal seja composta de indivíduos que comandam”.

De fato, parece que esse é o conceito por trás de uma infinidade de livros que preenchem as estantes das principais livrarias e são promovidos nas redes sociais ou nos e-mails promocionais que recebemos diariamente. No intuito de promover uma comunidade proativa, o modelo que vem sendo propagado é o dos empreendedores que, ainda jovens, conseguem fazer prodígios. A cada dia, aumenta o número daqueles que sonham em ser o próximo Bill Gates ou Mark Zuckerberg.

Se, de um lado, é importante ressaltar o papel que os líderes têm em promover mudanças significativas em suas esferas de ação, de outro, o efeito colateral desse estímulo acentuado é o desenvolvimento de uma geração mais preocupada com o status do que com o serviço. E esse é o grande problema!

Ao longo do tempo, desenvolveu-se a ideia de que pessoas em função de liderança merecem vantagens que aqueles que não conseguiram alcançar esse posto não merecem. Assim, a função acabou sendo ambicionada muito mais por seus privilégios do que por suas responsabilidades. Tal ideia para mim parece uma grande contradição, especialmente quando considero a perspectiva de liderança encontrada na pessoa de Jesus.

Neste momento, duas passagens bíblicas me vêm à mente: Mateus 20:20 a 28 e Filipenses 2:1 a 8. Na primeira, Cristo foi abordado pela mãe de dois de Seus discípulos, Tiago e João, para que lhes concedesse posição de liderança em Seu reino vindouro. Diante de um pedido muito inapropriado, que gerou indignação entre os discípulos, o Mestre deu uma resposta magistral: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate por muitos” (20:25 a 28).

Cristo inverte a lógica humana e demonstra, por atos e palavras, que em Seu reino os valores são muito distintos. Ao tratar desse episódio, o Comentário Bíblico Adventista traz uma declaração que realça a mensagem que o Mestre pretende nos dar: “Entre os cidadãos do reino celestial, poder, posição, talento e educação devem ser devotados exclusivamente ao serviço dos outros e jamais devem ser usados como alavancas para dominar” (v. 5, p. 494). Que desafio em um mundo cada vez mais competitivo, em que o topo é um alvo a ser alcançado custe o que custar!

Por sua vez, Filipenses 2:1 a 8 traz uma reflexão de Paulo acerca do modelo encontrado em Jesus. Considerando o exemplo de Cristo de serviço, humilhação e obediência extrema, que O conduziu à cruz, o apóstolo exorta os cristãos a abandonar qualquer atitude ambiciosa ou repleta de vaidade, e a se revestir da humildade que considera “os outros superiores a si mesmos” (v. 3). O olhar do cristão se volta para cima, em busca de um relacionamento profundo com Deus, e para os lados, com o propósito de servir aos que estão ao redor.

As lições que esses dois textos apresentam convergem perfeitamente com o anseio de Susan Cain, que conclui seu artigo da seguinte maneira: “[Se] buscamos uma sociedade de indivíduos comprometidos, criativos e solidários e líderes que sentem que estão ali para servir e não em busca de status, então temos que nos empenhar para deixar isso bem claro.” Eu seria muito ousado em dizer que os cristãos deveriam ser a resposta desse desejo?

WELLINGTON BARBOSA, graduado em Teologia e Administração, é editor na Casa Publicadora Brasileira e cursa o doutorado em Ministério na Universidade Andrews (EUA)

Via: Revista Adventista